sábado, 27 de julho de 2013

Uma realidade pede uma festa

Era uma aliança bonita. Bem polida, de um dourado tão puro, ouro pesado, com finos acabamentos. Era sim uma aliança bonita! Tinha que exibi-la por onde quer que andasse, todos tinham que ver que era uma mulher comprometida, casada, muito bem casada!
Era feliz, pelo menos era o que diziam. Era também o que ela percebia pelo que lhe ensinaram que era bom. Então sorria a todos, sorria a todos os olhares! Era feliz. Podia fazer o que? Esbanjava felicidade por onde fosse. As pessoas gostavam de estar junto dela, era agradável.
Gostava de se arrumar, ser elegante. Fazer jantares para amigos em sua casa. Ah! Tinha a vida que sempre sonhara. Não tinha filhos, era verdade, mas hoje já não lamentava, conformara-se, afinal a vida tinha lhe dado outras coisas em troca. Dara a ela amigos e familiares ótimos, e um marido que superava em todos os aspectos qualquer príncipe. Um casamento de 27 anos! 53 anos de vida e muita felicidade!
Olhava o mundo ao seu redor e via como havia sido agraciada, como devia agradecer pela graça que lhe fora concedida. Então ajudava, ajudava qualquer um que precisasse de sua ajuda. Tinha que retribuir o fato de ser escolhida para a bonança da vida.
Não trabalhava, nem precisava. Deixasse o emprego para quem dele precisasse, pensava. Tinha tudo o que queria, casa confortável, joias, roupas belíssimas, 4 viagens internacionais por ano. Mas não só o material lhe era completo. Tinha amigos que lotavam sua casa, que lhe traziam alegria, boas conversas. Seus familiares lhe eram presentes, tinha sobrinhos que lhe eram como filhos!
Uma vida perfeita!
Essa mulher, aparentemente feliz, não percebia a fantasia na qual vivia. Passara seus anos de vida como se estivesse em um palco, tudo o que lhe era bom, não lhe era. E um dia, passou as coxias, viu o que havia por trás do cenário.
Passeava a carro certo dia. Era um dia de calor. Passava defronte a uma praia. As pessoas desfilavam de roupas de banho, óculos escuros, molhadas, com água de coco e pranchas de surf. Foi quando viu uma mulher sentada na calçada bem ao longe, do outro lado da rua. Era uma mulher relativamente nova, com dois filhos, roupas maltrapilhas, magros, sujos. Não se conteve, chorou. Estacionou o carro. Atravessou a rua. Dirigiu-se a mulher. Como alguém se atreveria a ser infeliz naquele mundo belo?
Quando chegou à mulher, educadamente questionou-a sobre o que lhe acontecera para que estivesse naquela situação. Tempos depois se questionara se realmente agira acertadamente, se lhe valera sair do seu mundo, cair tão despreparada em outro mundo.
A mulher que ela vira, casara por amor, tivera filhos, aqueles que ela via maltrapilhos e famintos. Tinha uma vida , a mesma que tinha qualquer mulher pobre: casa precária, pouca comida, nenhum conforto, mas algo ao menos tinha. Entretanto, seu marido, que trabalhava em uma loja de ferragens perdera o emprego por furtar peças, a vida estava difícil, o filho mais novo estava doente. Ela então olhou para o menino, ainda parecia um menino doente, frágil.
Desempregado, tornara-se mais agressivo, com ela, com os meninos, sobretudo o mais novo, que segundo ele era a causa de todos os problemas. Mas ela não podia deixa-lo, para onde iria? Ele ao menos ainda conseguia alguns bicos e vez ou outra trazia uns trocados para dentro de casa. Sozinha ela não podia fazer nada, tinha as crianças para tomar conta, não aprendera nunca a fazer nada. Sabia fazer faxina, mas parecia que ninguém nas redondezas tinha dinheiro sobrando para pagar uma diarista. Estava difícil.
Tudo piorou quando as agressões foram se tornando mais que frequentes, se tornaram diárias. Os trocados que antes ainda vinham como quilo de feijão começaram a virar apenas bebidas. E depois dividas com essas bebidas, ele não trabalhava mais, não procurava emprego, só bebia dizendo que pagaria depois. Quando viu que não teria como pagar, achou que seria apropriado vende-la na rua. Segundo ele, ela também tinha obrigação de contribuir para a “renda” familiar. Ela recusara-se, não faria isso, não podia. Resolveu sair de casa com os filhos.
A primeira semana ficou na casa de uma prima de segundo grau. Mas a prima não aceitou que ficasse mais. Um adulto e duas crianças aumentavam as despesas de uma forma que não podia suportar. Foi então que não teve para onde ir. Foi para as ruas mendigar com os filhos. Vezes conseguiam o suficiente para uma refeição. Outras nem isso. Já tinha sido abusada diversas vezes, era fraca, era mulher, o que podia fazer? Ir a delegacia? Quem se importava com um morador de rua? Pior, quem se importava com uma mulher mendiga? Para eles era apenas mais uma prostituta.
A madame, então, perplexa, olhou-a mais uma vez. Era uma mulher bonita mesmo suja e bagunçada, será que alguém já dissera isso a ela sem segundas intenções? Talvez não. Não sabia ao certo se poderia ajuda-la. Dez reais? Cinquenta? É, talvez cinquenta aliviasse um pouco o sofrimento. Tirou uma nota da carteira e entregou à mulher, quem saberia se contara a verdade?
Caminhando de volta para o carro, assim, como se recebesse uma descarga elétrica, olhou para trás e viu os três novamente. Não, aquela mulher contara-lhe toda a verdade. Contara-lhe não apenas a sua historia, contara-lhe a verdade do mundo sem lhe cobrar nada. Agora não podia ser mais a mesma. Abriu o carro, sentou-se.
Pobre mulher! Uma vida já lhe passara. O que fizera? Festas? Jantares? Sorrisos em ações sociais? O que fizera? Quanta superficialidade vivera! Um marido ideal? Ou um manipulador? Ele lhe entregara um mundo dito perfeito e omitiu a ela o que realmente o mundo era. Amigos ideias? Não! Encenadores que fizeram com que acreditasse que o mundo era belo! Familiares ideais ou aproveitadores? Ela mesma se omitira, enganara-se dia após dia. Era um turbilhão de ideias.
Uma vida lhe passara! O que faria agora? Aceitaria viver nesse mundo ou se esconderia em sua falsa realidade? Mesmo se escolhesse continuar a ser o que sempre fora, não haveria a mesma completude de suposta felicidade, agora sabia a verdade! Pegou o celular. Hesitou. Mas ela tinha seu próprio palco, para que ir para a rua? Ela tinha seu personagem, para que ir para trás das coxias? Olhou sua aliança, era uma aliança bonita! Discou um número.

-Ana, vamos dar uma festa?

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