Era
uma aliança bonita. Bem polida, de um dourado tão puro, ouro pesado, com finos
acabamentos. Era sim uma aliança bonita! Tinha que exibi-la por onde quer que
andasse, todos tinham que ver que era uma mulher comprometida, casada, muito
bem casada!
Era
feliz, pelo menos era o que diziam. Era também o que ela percebia pelo que lhe
ensinaram que era bom. Então sorria a todos, sorria a todos os olhares! Era
feliz. Podia fazer o que? Esbanjava felicidade por onde fosse. As pessoas
gostavam de estar junto dela, era agradável.
Gostava
de se arrumar, ser elegante. Fazer jantares para amigos em sua casa. Ah! Tinha
a vida que sempre sonhara. Não tinha filhos, era verdade, mas hoje já não
lamentava, conformara-se, afinal a vida tinha lhe dado outras coisas em troca.
Dara a ela amigos e familiares ótimos, e um marido que superava em todos os
aspectos qualquer príncipe. Um casamento de 27 anos! 53 anos de vida e muita
felicidade!
Olhava
o mundo ao seu redor e via como havia sido agraciada, como devia agradecer pela
graça que lhe fora concedida. Então ajudava, ajudava qualquer um que precisasse
de sua ajuda. Tinha que retribuir o fato de ser escolhida para a bonança da
vida.
Não
trabalhava, nem precisava. Deixasse o emprego para quem dele precisasse, pensava.
Tinha tudo o que queria, casa confortável, joias, roupas belíssimas, 4 viagens internacionais
por ano. Mas não só o material lhe era completo. Tinha amigos que lotavam sua
casa, que lhe traziam alegria, boas conversas. Seus familiares lhe eram
presentes, tinha sobrinhos que lhe eram como filhos!
Uma
vida perfeita!
Essa
mulher, aparentemente feliz, não percebia a fantasia na qual vivia. Passara
seus anos de vida como se estivesse em um palco, tudo o que lhe era bom, não lhe
era. E um dia, passou as coxias, viu o que havia por trás do cenário.
Passeava
a carro certo dia. Era um dia de calor. Passava defronte a uma praia. As
pessoas desfilavam de roupas de banho, óculos escuros, molhadas, com água de
coco e pranchas de surf. Foi quando viu uma mulher sentada na calçada bem ao
longe, do outro lado da rua. Era uma mulher relativamente nova, com dois
filhos, roupas maltrapilhas, magros, sujos. Não se conteve, chorou. Estacionou
o carro. Atravessou a rua. Dirigiu-se a mulher. Como alguém se atreveria a ser
infeliz naquele mundo belo?
Quando
chegou à mulher, educadamente questionou-a sobre o que lhe acontecera para que
estivesse naquela situação. Tempos depois se questionara se realmente agira
acertadamente, se lhe valera sair do seu mundo, cair tão despreparada em outro
mundo.
A
mulher que ela vira, casara por amor, tivera filhos, aqueles que ela via
maltrapilhos e famintos. Tinha uma vida , a mesma que tinha qualquer mulher
pobre: casa precária, pouca comida, nenhum conforto, mas algo ao menos tinha.
Entretanto, seu marido, que trabalhava em uma loja de ferragens perdera o
emprego por furtar peças, a vida estava difícil, o filho mais novo estava
doente. Ela então olhou para o menino, ainda parecia um menino doente, frágil.
Desempregado,
tornara-se mais agressivo, com ela, com os meninos, sobretudo o mais novo, que
segundo ele era a causa de todos os problemas. Mas ela não podia deixa-lo, para
onde iria? Ele ao menos ainda conseguia alguns bicos e vez ou outra trazia uns
trocados para dentro de casa. Sozinha ela não podia fazer nada, tinha as
crianças para tomar conta, não aprendera nunca a fazer nada. Sabia fazer
faxina, mas parecia que ninguém nas redondezas tinha dinheiro sobrando para pagar
uma diarista. Estava difícil.
Tudo
piorou quando as agressões foram se tornando mais que frequentes, se tornaram diárias.
Os trocados que antes ainda vinham como quilo de feijão começaram a virar
apenas bebidas. E depois dividas com essas bebidas, ele não trabalhava mais, não
procurava emprego, só bebia dizendo que pagaria depois. Quando viu que não teria
como pagar, achou que seria apropriado vende-la na rua. Segundo ele, ela também
tinha obrigação de contribuir para a “renda” familiar. Ela recusara-se, não faria
isso, não podia. Resolveu sair de casa com os filhos.
A
primeira semana ficou na casa de uma prima de segundo grau. Mas a prima não aceitou
que ficasse mais. Um adulto e duas crianças aumentavam as despesas de uma forma
que não podia suportar. Foi então que não teve para onde ir. Foi para as ruas mendigar
com os filhos. Vezes conseguiam o suficiente para uma refeição. Outras nem
isso. Já tinha sido abusada diversas vezes, era fraca, era mulher, o que podia
fazer? Ir a delegacia? Quem se importava com um morador de rua? Pior, quem se
importava com uma mulher mendiga? Para eles era apenas mais uma prostituta.
A
madame, então, perplexa, olhou-a mais uma vez. Era uma mulher bonita mesmo suja
e bagunçada, será que alguém já dissera isso a ela sem segundas intenções?
Talvez não. Não sabia ao certo se poderia ajuda-la. Dez reais? Cinquenta? É,
talvez cinquenta aliviasse um pouco o sofrimento. Tirou uma nota da carteira e
entregou à mulher, quem saberia se contara a verdade?
Caminhando
de volta para o carro, assim, como se recebesse uma descarga elétrica, olhou
para trás e viu os três novamente. Não, aquela mulher contara-lhe toda a
verdade. Contara-lhe não apenas a sua historia, contara-lhe a verdade do mundo
sem lhe cobrar nada. Agora não podia ser mais a mesma. Abriu o carro,
sentou-se.
Pobre
mulher! Uma vida já lhe passara. O que fizera? Festas? Jantares? Sorrisos em ações
sociais? O que fizera? Quanta superficialidade vivera! Um marido ideal? Ou um
manipulador? Ele lhe entregara um mundo dito perfeito e omitiu a ela o que realmente
o mundo era. Amigos ideias? Não! Encenadores que fizeram com que acreditasse
que o mundo era belo! Familiares ideais ou aproveitadores? Ela mesma se
omitira, enganara-se dia após dia. Era um turbilhão de ideias.
Uma
vida lhe passara! O que faria agora? Aceitaria viver nesse mundo ou se
esconderia em sua falsa realidade? Mesmo se escolhesse continuar a ser o que
sempre fora, não haveria a mesma completude de suposta felicidade, agora sabia
a verdade! Pegou o celular. Hesitou. Mas ela tinha seu próprio palco, para que
ir para a rua? Ela tinha seu personagem, para que ir para trás das coxias? Olhou
sua aliança, era uma aliança bonita! Discou um número.
-Ana,
vamos dar uma festa?
Nenhum comentário:
Postar um comentário