Resolveu
contar, e desde que saíra de casa já era o quinto homem que a interceptava na rua
com gracejos. Um até se atrevera a alisar seu braço! Outro lhe soltara
beijinhos jocosos. Lembrou-se então dos conselhos que sua mãe sempre lhe dava:
-
Meninas direitas não usam “tomara que caia”, olha o nome, que vadio! Moças de família
não pintam as unhas de vermelho, não passam muita maquiagem, não usam roupas
que marquem tanto as curvas. Minha filha, moças respeitadas não se vestem
assim.
Talvez
ela não fosse uma menina direita, talvez sua mãe estivesse certa. Talvez o
destino de uma mulher fosse mesmo se vestir para ficar em casa. Quem sabe um
avental fosse a mais elegante vestimenta para uma mulher.
Trabalhava
muito, dia após dia, não descansava nem mesmo em feriados. Era recepcionista de
uma clinica odontológica, nos fins de semana vendia roupas seminovas em um
brechó na feira, e ainda produtos AVON. Quando tinha tempo, estudava um pouco,
ainda alimentava o sonho de passar no vestibular. Sua vida era corrida, seu
destino sofrido, tinha origem pobre, mas não se abatia, persistia porque sabia
que apenas os que não desistiam podiam conseguir.
Não
entendia como que a sua roupa, sua maquiagem, suas unhas podiam dizer tanto
sobre ela. E pior: dizer coisas tão erradas. Como sua aparência podia ser mais
que seus atos, que seus valores? Saíra de casa e se dirigia ao ponto de ônibus questionando-se
de forma simplória como e por quê era menos que o cara encostado ao muro que a
chamara de gostosa e a convidara para ir ao motel.
Sentira-se
ofendida com convite, mas ela era mulher, não podia dizer nada. Moças que
prestam não retrucam, não brigam, moças direitas abaixam a cabeça e seguem, ela
seguiu.
Era
meia tarde. Esperava que o ônibus passasse logo, estava quase atrasada.
Recebera o telefonema muito em cima da hora, nem sabia se chegaria a tempo, mas
tinha que tentar. Nada de ônibus. O céu estava nublado, mas esquecera do
guarda-chuva. Um dia lhe disseram que mulheres andam preparadas, são
prevenidas, sempre tem guarda-chuva. Mas ela não tinha, não estava preparada,
talvez não fosse uma boa mulher.
O
ônibus demorava a passar. Estava distraída pensando nos conselhos da mãe.
Gostava de se vestir assim. Gostava de tomara que caia, de blusas um pouco mais
apertadas, de unhas vermelhas, gostava de batons vermelhos também. Não gostava
por vulgaridade, ou porque queria que todos a olhassem, simplesmente gostava.
Mas
agora vestia uma blusa branca de tecido fino, calças jeans comum, nada da sua roupa
era de marca, não tinha dinheiro para isso. Seu batom era discreto, sua
maquiagem toda na verdade era discreta. Seu cabelo levemente preso em um rabo
de cavalo pouco bagunçado para parecer natural. Seus brincos eram pequenos, seu
colar com pingente em forma de coração era pura delicadeza. Não se sentia nem
poderia ser tida como vulgar.
Talvez
se corresse um pouco ainda conseguisse chegar a tempo de entregar os
documentos. Poderia explicar que tivera que tomar condução para chegar ali, que
a ligação chegara um pouco tarde, mas que fizera o que pode, que morava muito
longe para tomar um taxi, talvez a entendessem.
Foi
então que repentinamente, sem que pudesse ver de onde surgiu, um carro parou a
sua frente. Dois rapazes sorriram para ela. Não os conhecia embora um deles fosse
o que a convidara para ir ao motel instantes atrás, ignorou. O ônibus não
passava, estava sozinha no ponto, olhou para os lados, não havia mais ninguém.
Pensou em correr, mas eles não tinham feito nada. Pensou que talvez o ônibus estivesse
para chegar, que se saísse poderia perder o ônibus e assim perder sua chance no
novo emprego.
Mas
no meio da indecisão, sem tempo para tomar uma decisão firme, já estava dentro
do carro. Foi muito rápido como eles a agarraram e jogaram para dentro. Pensou
em gritar, então gritou. Mas não era uma boa alternativa, não soube nem de onde
veio o murro que a fez desmaiar.
Quando
acordou estava em um lugar desconhecido. Deitada sobre um chão sujo, em um
ambiente fedido, um lugar horrível. Quando percebeu estava com algumas marcas
sobre o corpo. Olhou, agora não eram mais dois homens, mas três. Eles discutiam
quem seria o primeiro, ser o primeiro, segundo um deles, sempre era melhor. Perguntou-se
“primeiro a quê”? E o porque de ser melhor. Sentiu um calafrio, tinha medo. Não
conhecia o lugar e não sabia o que fazer. Aos poucos foi levantando sem fazer
zoada, mas viram que ela tinha acordado. Então um veio em direção a ela:
-Eu
serei o primeiro, na próxima ficam vocês. Essa p*** é minha. Depois vai você e
você – e apontou para cada um dos outros enquanto falava.
Ela
desesperou-se. Não podia ser! Não podia! Sua vida estava para melhorar, novo
emprego ia conseguir, ia ganhar mais, ajudar a mãe a fazer as reformas que ela
tanto queria. Não podia ser.
Então
ele abriu a barguilha da calça, sorriu para ela. Ele não tinha os dentes do
canto esquerdo, tanto em cima quanto embaixo. Puxou-a pelos cabelos, ela
gritou, tentou bater nele,mas parecia não adiantar.
Ele
empurrou-a contra a parede e exibiu para ela o que acabara de retirar de dentro
das calças. Sorriu novamente. Veio mais perto e a cheirou, ela tentou bater
novamente, mas apanhou. Uma pancada na cabeça que a deixou tonta, caiu no chão.
Então ele tirou sua calça, rasgou sua blusa, subiu nela, abriu-lhe as pernas e
adentrou-a. Ela chorava, tentava acertá-lo, tentava se defender, mas ele continuou
a entrar nela sem que pudesse fazer nada. Sentia a dor, chorava, gritava, tentava
fazê-lo parar, mas ela era só uma mulher. Era frágil, não conseguiu se
libertar.
Pensou
nas coisas que sua mãe lhe falara. Não, sua roupa não importava. Importava
apenas a ideia que tinham criado sobre ela, sobre as outras mulheres. Importava
apenas quem ditava as regras do jogo, e eram eles, eram eles não apenas porque
eram mais fortes, mas porque a ideia de que eram eles que estavam certos que
fazia com que ela estivesse ali. Era um produto que podia ser vendido, trocado,
roubado. Era um produto para ser usado e não importava a roupa que estivesse
vestindo, não importavam suas intenções, sua idade, suas aspirações, importava
apenas que era mulher, e mulher era produto.
Depois vieram os outros dois, e por fim, sem
forças para levantar, sem conseguir gritar, não podia nem mesmo chorar, ela
ficou ali caída sobre o chão, sangrando. Mas ela os tinha visto, então eles
voltaram. Estava desesperada embora imóvel no chão. Um deles aproximou-se e disparou
a arma duas vezes, um na cabeça e outro no peito.
Aquele
fim de tarde realmente era de chuva, e as primeiras gotas de água começaram a
cair sobre seu corpo. Talvez ela não fosse uma boa mulher, tinha saído de casa
sem guarda-chuva.
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