segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Flor do sertão



Mais parecia sonho que realidade. Era como viver o sonho, e não sonha-lo deitada em meio ao sono. Parecia o homem que sempre esperara enquanto ficava debruçada na janela, naquele sol quente de sertão...
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Era uma moça bonita com suas tranças negras e longas jogadas por cima dos seios. Era bonita com sua forma simples de se vestir. Era simples em sua nenhuma maquiagem, era bela e era virgem. Tinha seus 17 anos de idade, nunca namorara, nunca beijara um só rapaz. Não lhe deixavam sair à rua sozinha em fins de tarde, tinham medo que se desencaminhasse por aquelas ruas sujas, quentes, feias de Lumadeus, interior, sertão, mas nunca lhe disseram o que era se perder se ela conhecia todos os caminhos.
Um dia faltou feijão. Estava sozinha com a mãe que se dividia em lavar roupas e fazer a comida. Não teve jeito, a moça bonita de Lumadeus teve que ir sozinha à venda que ficava a duas esquinas de casa. Não sabia quanto custava um quilo de feijão, mas sua mãe lhe dissera que aquele tanto de dinheiro era suficiente e que seu Armando lhe daria ainda troco. Colocou os pés para fora de casa e quase instintivamente esperou que alguém viesse para acompanhá-la.
Lembrou-se que iria sozinha e sentiu um frio na barriga. “Ela é tão bobinha”, lembrou-se da mãe dizendo à comadre algumas semanas atrás quando esta pedira para leva-la a um aniversário na cidade vizinha. Deu alguns passos, cumprimentou alguns conhecidos com a cabeça, tinha medo de falar sozinha. Andou mais um pouco. Sentiu alguma coisa diferente, boa. Seria isso liberdade que leu em alguns livros?
Chegou à mercearia e pediu a seu Armando o quilo de feijão que sua mãe precisava para terminar o almoço. Se Armando parecendo não ouvi-la permaneceu conversando com um estranho. Ela não se atreveu a olha-lo, tinha medo. Pediu pressa, sua mãe precisava terminar o almoço! Seu pai não gostava de chegar em casa com almoço ainda por fazer.
-Mora por aqui há quanto tempo? Nunca te vi.
Estremeceu com aquela iniciativa de conversa. Poderia falar com desconhecidos? Era um rosto desconhecido, seria ele novo por ali? Seria um daqueles desvirtuadores de que seus pais costumavam falar? Mesmo com essas duvidas, explicou que vivia ali desde que nascera, que morava a duas esquinas dali.
Voltou a sua casa com o feijão. Sua mãe terminou o almoço. E pela tarde voltou a inclinar-se na janela daquele sertão. Voltou a sonhar naquele sertão. Eis que distraída olhando as nuvens do céu ouviu um “Boa tarde” de uma voz conhecida. Voltou seus olhos para terra, era o rapaz do armazém. Retribui a saudação com um sorriso.
Mais tarde ele voltou a passar pela sua janela e cumprimenta-la novamente. Sentiu um frio na barriga quando ele se aproximou para interpor uma conversa. Era uma mistura de alegria, surpresa e medo. Aceitou a conversa, ate o momento em que ouviu sua mãe chama-la com tom de desaprovação. Descumprimentou o rapaz e entrou correndo.
Explicou que conversava pela janela com um rapaz bem afeiçoado que conhecera no armazém pela manha. Sua mãe se limitou a um “hum” que demonstrava a insignificância de suas explicações, estava errada e pronto.
Naquele dia não pode mais voltar à janela. Mas os dias se passaram e ele insistia em vir a sua janela, cumprimenta-la, descumprimenta-la quando ia embora. E ela passou a esperar todos os dias que ele viesse a sua janela. Passou ate mesmo a pensar que poderia ser um daqueles amores românticos dos livros de Jose de Alencar que a vizinha da frente lhe emprestara no inverno passado quando não podia ficar na janela sem que o vento sem chuva viesse em seu rosto incomodando-a.
Um dia enquanto olhava o dia pela janela o rapaz desconhecido do armazém assobiou chamando-a para fora de casa. Poderia ir sem aborrecer sua mãe? Aquele frio na barriga novamente a lhe tomar. Um desejo intenso de sair por aquela porta, mas faria zoada. Olhou para todos os cantos, não passava ninguém. Pulou a janela, estava do lado de fora!
...
Mais parecia sonho que realidade. Era como viver o sonho, e não sonha-lo deitada em meio ao sono. Parecia o homem que sempre esperara enquanto ficava debruçada na janela, naquele sol quente de sertão.
Ele a beijou, e sussurrara-lhe ao ouvido palavras doces e bonitas que fizeram com que ela se convencesse de que este era o amor de sua vida. Trocaram mais alguns beijos e ela voltou para casa. Sua mãe nem percebera nada.
Todos os dias quando sua mãe estava pelos fundos ele a chamava e ela pulava a janela e ia para os braços daquele que fora seu sonho e agora sua realidade. Não havia um dia sequer que não ouvisse suas palavras doces, sentisse suas caricias, provasse do seu beijo.
Parecia sinceridade aquele olhar. Mas um dia ele insistiu que ela conhecesse sua casa, ele morava um pouco longe dali, mas não tanto que não pudessem ir a pé. Foram. Quando chegaram, ele fechou a porta e beijou-a. Beijou-a novamente, acariciou seu rosto e passou a olha-la estranhamente. Ela estremeceu. Entrou ele a levou mais para dentro, quando olhou estavam num quarto, dele possivelmente. Sua mãe parecia não aprovar meninas que adentravam quartos masculinos. Mas os beijos eram tão bons, não queria parar. Ele acariciou seus seios e passou a tirar sua roupa vagarosamente.
Ela mais uma vez se questionou se seria uma atitude correta deixar que aquilo acontecesse, mas se permitiu. Estavam já numa cama, dele possivelmente. Ele abriu-lhe as pernas devagar, ela não entendia, ele forçou algo nela, doía, ela tinha medo. Mas as caricias eram tão boas. Algo a adentrou, sentiu a dor enquanto aquele algo a adentrava, e adentrou-a novamente, e novamente. E ele a beijava, e fazia força sobre ela. E ela desesperada deixava com que tudo aquilo acontecesse. O que mais queria era que acabasse. Queria novamente pular a janela, queria voltar para casa. Sua mãe não aprovaria tudo aquilo, sua mãe não gostaria. Mas por mais estranho que parecesse, gostara.
Tentou não demonstrar desespero quando tudo acabou. Ele perguntou se ela havia gostado, mas ela não sabia o que sentira. Viu um pouco de sangue a escorrer por dentre as pernas, seria menstruação novamente num mesmo mês?
No caminho para casa foi juntando algumas conversas que ouvira em sua casa e começou a se perguntar se ainda era o que diziam virgem. Mas sabia que virgindade só se perdia quando se casava, talvez fosse um estado de ser que se findava com o sim do altar. Mas algo por dentro sinalizava que não, que não era mais virgem, quis perguntar.
- Sou ainda virgem? – o rapaz desconhecido do armazém olhou-a, parecia olhar de pena, talvez. Passou as mãos pelos seus cabelos e disse:
-Sim, é virgem, minha bela.
Ela não se convenceu daquelas palavras, e com um pouco de dificuldade pulou a janela. No outro dia esperou que ele passasse pela sua janela, diria que não iria na sua casa, ficariam ali pelas redondezas. Mas ele passou e não olhou nenhuma vez sequer para sua janela.
O conceito é exatamente aquele que não se deu. A verdade é justamente aquela que se dispensou. A realidade que se abriu em flor, murchou e não se percebeu.
Ele não era o rapaz que sempre esperara, continuou a esperar, e esperar naquela mesma janela, sem nunca sair sozinha para aquelas ruas do sertão.
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