“ela se jogou da
janela do quinto andar. Nada fácil de entender”
(Legião Urbana)
E
ninguém sabia explicar. Parecia um casal equilibrado, de filhos educados, casa
arrumada. Ninguém nunca ouvira uma briga sequer entre eles. Ninguém nunca vira
uma roupa fora do lugar. Ninguém nunca presenciara uma reclamação, nenhum
desabafo. Nada.
Mas
havia um corpo ali, estirado no chão. A multidão já se avolumava no ambiente.
Cada um supunha as coisas terem acontecido de uma forma diferente. Cada um contava
um enredo distinto, e parecia que nenhum deles tinha nada a fazer, que tinham saído
de suas casas apenas para ver a moça que se jogara do prédio.
O
corpo no chão, agora o local já estava isolado para que ninguém alterasse o
cenário. O marido chegara a pouco e falava ao celular um pouco choroso. Os
filhos não estavam, ainda se encontravam na escola, afinal era fim de tarde. O
sol já estava esfriando, seu brilho escurecendo. Havia pouco sangue sobre o chão.
O
que fizera com que ela se jogasse pela janela? Quinto andar! Não haveria de ser
para chamar atenção, era algo muito mais sério. Nem mesmo ali no apartamento
ela deveria estar. Era empresária, dona de uma loja de decoração no centro da
cidade. Não costumava ficar em casa durante as tardes. Na verdade, não costumava
quase nunca estar em casa. Fazia viagens para comprar mercadorias, fazer
cursos, inclusive no exterior. Era uma mulher independente, bem sucedida.
Entre
as pessoas que estavam ali, e que pouco a pouco iam sabendo sobre a vida dela
pelos vizinhos, as pessoas se indignavam, como poderia uma mulher que tinha
tudo fazer uma coisa daquelas? Matar-se era coisa para quem não tem nada!
Mas
parecia que havia algo estranho. Ela estava arrumada para sair, porque segundo
o porteiro, ainda não havia passado pela portaria naquele dia. Havia marcas de
lagrimas borrando a maquiagem. Mas ninguém ouvira nenhum som estranho, nenhuma
voz alterada saindo do apartamento.
Mas
em meio a multidão, um policial chamou o outro e mostrou uma marca no braço,
ela tinha sido segurada com muita força por alguém. Mas também havia um hematoma
próximo do joelho esquerdo, o que estava para cima e não tivera contato com o chão,
provavelmente tinha caído no apartamento ainda, antes de se jogar pela janela.
Mas
agora, desconfiava-se que ela não houvesse se jogado pela janela realmente,
haveria sido empurrada por alguém? Não tinha como saber. Foi então que pediram
as gravações do prédio, poderia ser encontrada alguma pista sobre o ocorrido.
Minutos
após o acontecido, havia o marido saído do prédio, com expressão tensa. Foi
preso para melhores investigações. Não havia duvidas de que ele era um dos
maiores suspeitos, não podia ficar a solto sendo uma pessoa tão rica e
influente.
Quando
do interrogatório, disse que não tivera culpa. Ela estava o traindo há meses,
ele contratara um detetive. Quando teve certeza levou as fotos e colocou sobre
a cama. Ela viu, ficou desesperada. Ele dissera que contaria aos filhos que a mãe
deles era uma “p**a”, que não respeitava o lar em que vivia. Ele sabia que era
o mais certo a fazer. Disse-lhe ainda que pediria divorcio e a guarda dos
filhos. Que uma “va******a” qualquer ficaria com seus filhos.
Ele
parou, suspirou, fez expressão de choro mas conteve-se. Continuou a narrativa
dizendo que ela ficara desesperada com tudo aquilo e partira para cima dele,
ele tentou segurá-la, mas ela continuava tentando alcança-lo. Então a empurrou
e ela caiu sobre uma cômoda, provavelmente lesionando o joelho esquerdo, porque
cheia de raiva voltou-se mancando para cima dele.
Foi
ai que ele parou. Parecia não saber mais o que falar. Mas:
-
Então, acho que desesperada, ela se jogou pela janela. Que loucura, se jogar da
janela do quinto andar. Eu... eu não ia fazer nada daquilo que tinha dito, eu a
amava, eu amava nossa família.
O
detetive que ele dissera ter contratado foi chamado a depor. Na ocasião do seu
depoimento disse que naquele caso, não obtivera respostas. As fotos que levara
para o cliente eram as fotos suspeitas que havia tirado, mas que não afirmara
que este estava sendo traído, não podia afirmar tal coisa a partir de fotos de
abraços em ambientes públicos, poderiam ser apenas amigos, se é que havia
amizade entre homens e mulheres!
Mas
não convencia a historia de que ela se jogara da janela, quem se jogaria de
costas? Haveria de ser muito medo da morte, encara-la sem olha-la. Quem encara
algo, tem que encarar por completo, tudo de uma vez.
As
investigações seguiram, a sentença foi dada. Não havia duvidas de que ela fora
jogada da janela do quinto andar. Não havia duvidas de que o motivo do
assassinato fora ciúmes, posse sobre o que não é possível, fora a cultura de
que homem esta certo e pode fazer o que bem entender com aquela que comprara no
altar. Não havia duvidas de que seu assassino fora quem prometera protegê-la e
ama-la, prometera estar com ela na alegria e na dor, saúde e doença. Das suas
promessas, apenas uma ele cumpriu: esteve com ela ate que a morte os separasse!
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