Mais
parecia sonho que realidade. Era como viver o sonho, e não sonha-lo deitada em
meio ao sono. Parecia o homem que sempre esperara enquanto ficava debruçada na
janela, naquele sol quente de sertão...
...
Era
uma moça bonita com suas tranças negras e longas jogadas por cima dos seios.
Era bonita com sua forma simples de se vestir. Era simples em sua nenhuma
maquiagem, era bela e era virgem. Tinha seus 17 anos de idade, nunca namorara,
nunca beijara um só rapaz. Não lhe deixavam sair à rua sozinha em fins de tarde,
tinham medo que se desencaminhasse por aquelas ruas sujas, quentes, feias de
Lumadeus, interior, sertão, mas nunca lhe disseram o que era se perder se ela
conhecia todos os caminhos.
Um
dia faltou feijão. Estava sozinha com a mãe que se dividia em lavar roupas e
fazer a comida. Não teve jeito, a moça bonita de Lumadeus teve que ir sozinha à
venda que ficava a duas esquinas de casa. Não sabia quanto custava um quilo de
feijão, mas sua mãe lhe dissera que aquele tanto de dinheiro era suficiente e
que seu Armando lhe daria ainda troco. Colocou os pés para fora de casa e quase
instintivamente esperou que alguém viesse para acompanhá-la.
Lembrou-se
que iria sozinha e sentiu um frio na barriga. “Ela é tão bobinha”, lembrou-se
da mãe dizendo à comadre algumas semanas atrás quando esta pedira para leva-la
a um aniversário na cidade vizinha. Deu alguns passos, cumprimentou alguns
conhecidos com a cabeça, tinha medo de falar sozinha. Andou mais um pouco.
Sentiu alguma coisa diferente, boa. Seria isso liberdade que leu em alguns
livros?
Chegou
à mercearia e pediu a seu Armando o quilo de feijão que sua mãe precisava para
terminar o almoço. Se Armando parecendo não ouvi-la permaneceu conversando com
um estranho. Ela não se atreveu a olha-lo, tinha medo. Pediu pressa, sua mãe precisava
terminar o almoço! Seu pai não gostava de chegar em casa com almoço ainda por
fazer.
-Mora
por aqui há quanto tempo? Nunca te vi.
Estremeceu
com aquela iniciativa de conversa. Poderia falar com desconhecidos? Era um
rosto desconhecido, seria ele novo por ali? Seria um daqueles desvirtuadores de
que seus pais costumavam falar? Mesmo com essas duvidas, explicou que vivia ali
desde que nascera, que morava a duas esquinas dali.
Voltou
a sua casa com o feijão. Sua mãe terminou o almoço. E pela tarde voltou a
inclinar-se na janela daquele sertão. Voltou a sonhar naquele sertão. Eis que distraída
olhando as nuvens do céu ouviu um “Boa tarde” de uma voz conhecida. Voltou seus
olhos para terra, era o rapaz do armazém. Retribui a saudação com um sorriso.
Mais
tarde ele voltou a passar pela sua janela e cumprimenta-la novamente. Sentiu um
frio na barriga quando ele se aproximou para interpor uma conversa. Era uma
mistura de alegria, surpresa e medo. Aceitou a conversa, ate o momento em que
ouviu sua mãe chama-la com tom de desaprovação. Descumprimentou o rapaz e
entrou correndo.
Explicou
que conversava pela janela com um rapaz bem afeiçoado que conhecera no armazém pela
manha. Sua mãe se limitou a um “hum” que demonstrava a insignificância de suas
explicações, estava errada e pronto.
Naquele
dia não pode mais voltar à janela. Mas os dias se passaram e ele insistia em
vir a sua janela, cumprimenta-la, descumprimenta-la quando ia embora. E ela
passou a esperar todos os dias que ele viesse a sua janela. Passou ate mesmo a
pensar que poderia ser um daqueles amores românticos dos livros de Jose de
Alencar que a vizinha da frente lhe emprestara no inverno passado quando não
podia ficar na janela sem que o vento sem chuva viesse em seu rosto
incomodando-a.
Um
dia enquanto olhava o dia pela janela o rapaz desconhecido do armazém assobiou
chamando-a para fora de casa. Poderia ir sem aborrecer sua mãe? Aquele frio na
barriga novamente a lhe tomar. Um desejo intenso de sair por aquela porta, mas
faria zoada. Olhou para todos os cantos, não passava ninguém. Pulou a janela,
estava do lado de fora!
...
Mais
parecia sonho que realidade. Era como viver o sonho, e não sonha-lo deitada em
meio ao sono. Parecia o homem que sempre esperara enquanto ficava debruçada na
janela, naquele sol quente de sertão.
Ele
a beijou, e sussurrara-lhe ao ouvido palavras doces e bonitas que fizeram com
que ela se convencesse de que este era o amor de sua vida. Trocaram mais alguns
beijos e ela voltou para casa. Sua mãe nem percebera nada.
Todos
os dias quando sua mãe estava pelos fundos ele a chamava e ela pulava a janela
e ia para os braços daquele que fora seu sonho e agora sua realidade. Não havia
um dia sequer que não ouvisse suas palavras doces, sentisse suas caricias,
provasse do seu beijo.
Parecia
sinceridade aquele olhar. Mas um dia ele insistiu que ela conhecesse sua casa,
ele morava um pouco longe dali, mas não tanto que não pudessem ir a pé. Foram.
Quando chegaram, ele fechou a porta e beijou-a. Beijou-a novamente, acariciou
seu rosto e passou a olha-la estranhamente. Ela estremeceu. Entrou ele a levou
mais para dentro, quando olhou estavam num quarto, dele possivelmente. Sua mãe
parecia não aprovar meninas que adentravam quartos masculinos. Mas os beijos
eram tão bons, não queria parar. Ele acariciou seus seios e passou a tirar sua
roupa vagarosamente.
Ela
mais uma vez se questionou se seria uma atitude correta deixar que aquilo
acontecesse, mas se permitiu. Estavam já numa cama, dele possivelmente. Ele
abriu-lhe as pernas devagar, ela não entendia, ele forçou algo nela, doía, ela
tinha medo. Mas as caricias eram tão boas. Algo a adentrou, sentiu a dor
enquanto aquele algo a adentrava, e adentrou-a novamente, e novamente. E ele a
beijava, e fazia força sobre ela. E ela desesperada deixava com que tudo aquilo
acontecesse. O que mais queria era que acabasse. Queria novamente pular a
janela, queria voltar para casa. Sua mãe não aprovaria tudo aquilo, sua mãe não
gostaria. Mas por mais estranho que parecesse, gostara.
Tentou
não demonstrar desespero quando tudo acabou. Ele perguntou se ela havia
gostado, mas ela não sabia o que sentira. Viu um pouco de sangue a escorrer por
dentre as pernas, seria menstruação novamente num mesmo mês?
No
caminho para casa foi juntando algumas conversas que ouvira em sua casa e
começou a se perguntar se ainda era o que diziam virgem. Mas sabia que
virgindade só se perdia quando se casava, talvez fosse um estado de ser que se
findava com o sim do altar. Mas algo por dentro sinalizava que não, que não era
mais virgem, quis perguntar.
-
Sou ainda virgem? – o rapaz desconhecido do armazém olhou-a, parecia olhar de
pena, talvez. Passou as mãos pelos seus cabelos e disse:
-Sim,
é virgem, minha bela.
Ela
não se convenceu daquelas palavras, e com um pouco de dificuldade pulou a
janela. No outro dia esperou que ele passasse pela sua janela, diria que não
iria na sua casa, ficariam ali pelas redondezas. Mas ele passou e não olhou
nenhuma vez sequer para sua janela.
O
conceito é exatamente aquele que não se deu. A verdade é justamente aquela que se
dispensou. A realidade que se abriu em flor, murchou e não se percebeu.
Ele
não era o rapaz que sempre esperara, continuou a esperar, e esperar naquela
mesma janela, sem nunca sair sozinha para aquelas ruas do sertão.
g
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