Era
fim de relacionamento. Não havia como esconder, eles apenas postergavam. Como
separar-se era algo novo para eles, decidiram que não iriam logo oficializar as
coisas. Deixaram tudo no informal.
No
inicio ele ainda ficou algumas semanas na mesma casa, tinham filhos, era bom ir
aos poucos, eles poderiam se assustar. Depois, ele arrumou um lugar para ficar.
Ficava perto dali, segundo ele era melhor para que pudesse ver os olhos. Ela
achou certo assim, não queria que perdessem o contato.
As
crianças ficaram tristes com a separação. O filho do meio, que tinha apenas
três anos ainda não entendera o porquê do pai ter saído de casa, e nem
entenderia por um bom período de tempo. Ela estava se acostumando aos poucos a
essa vida de separada. Não era fácil não ter mais amparo na hora em que
precisava urgentemente de um pacote de feijão. Mas trabalhava, estava tudo bem.
E ele ajudava nas despesas.
Mas
o tempo foi passando e ela começou a achar que era hora de pedir o divorcio.
Tinha se apaixonado por um rapaz, achava que não havia problema. Seu ex-companheiro
sempre andava as voltas com mulheres, porque ela não podia relacionar-se
novamente?
Quando
pediu o tal divorcio a reação dele fora boa, disse que ia ver qual o
procedimento que utilizariam para isso, e perguntou por que ela queria tanto o
divorcio se estava tudo bem.
-
Quer casar novamente? Nem sabia que estava com alguém! – ele falou fitando-a
nos olhos. Expressão seria, mas logo depois relaxou a musculatura do rosto e
sorriu pela ausência de resposta dela.
Já
fazia mais de dois meses que ela pedira a ele que ajeitasse os papeis. Ele não
dera resposta desde então. Não contribuía mais com as coisas da casa. E vez ou
outra ainda aparecia para almoçar e jantar, assim, como quem quer vigiar alguma
coisa.
Havia
algo errado? Chegou a achar que ele estava com ciúmes. Sorriu com o canto de
boca. Tinha aquela boba vaidade do ciúmes. Pena que o rapaz com quem estava
saindo à época em que pedira o divórcio não estava mais com ela, achara muito
uma mulher separada com três filhos pequenos, não queria comprometer-se tanto
assim. Achou que a próxima vez que o ex-marido aparecesse, iria perguntar sobre
o divorcio novamente.
Estava
com a filha mais nova no colo quando o ex apareceu perto da hora do almoço. Iriam
comer um frango que comprara as pressas fiado na granja da esquina, porque se
deparou sem nada para comerem. A campainha tocou. Segurando a filhinha foi
atender. Era a vizinha que gostaria de saber como fazer uma inscrição para o
Enem pela internet. Não poderia sair para fazer, os filhos estavam todos em
casa, a menor estava gripada, e o pai não se achava mais na obrigação de tomar
conta dos filhos, explicou. Mas mesmo assim, ensinou-a a realizar a inscrição e
se despediu. Quando se voltou para a cozinha, viu que o ex-marido havia comido
todo o frango. O que comeria com os filhos no almoço?
Sentiu
a raiva subir-lhe. Ele não contribuía com nenhuma despesa há meses e ainda se
sentia no direito de comer todo o almoço? O que seus filhos comeriam? Perguntou
a ele. Ele riu e disse que ela fizesse outra coisa. Ela explicou que não tinha
mais nada para comer! Que ignorância comer um frango inteiro sozinho!
-
Pois trabalhe mais para comprar mais comida, sua Va*****da!
Ela
não estava entendendo a reação dele. Continuou tirando satisfação.
-Sua
p**a! Fica ai atrás de homem e não trabalha para comprar comida. Cach***a!
Va*****da desgraçada! Joga meu nome no lixo! Está pensando o que? Que eu vou
deixar todos irem de mim pela rua? Eu te mato! Te mato sua desgraçada! Te furo
todinha!
-
Cala a boca! – ela gritava – Respeite a mim e a meus filhos! – os dois meninos
que estavam no quarto saíram assustados para a sala. A menina chorava no colo
da mãe.
-Pensa
que vai me desonrar? Eu te mato antes. Eu quebro você todinha! – foi ai que ele
deu o primeiro murro nela. A menina chorava mais alto ainda. Os filhos
assustados.
O
mais velho tentou impedi-lo. Mas foi atirado sobre o sofá.
-
Não se meta. Não se meta! Não se meta que sobra para você também!
O
mais novo saiu correndo, chorando, queria a mãe. Mas a mãe não podia socorrê-lo,
estava com a pequena no colo e recebia pancadas e xingamentos um atrás do
outro.
O
filho mais velho saiu pela porta e desceu as escadas desesperado, precisavam de
ajuda! A mãe percebendo que o mais novo seguia o irmão achou que deveria sair também,
tentou escapar pela escada, mas em excesso de raiva ele empurrou-a escada à
baixo com a menina no colo.
Por
sorte, a pequena não tivera nada, nenhum arranhãozinho. Mas chorava, chorava
muito. Quanto à mãe, não teve tanta sorte assim, recebera muitas pancadas no
rosto antes de cair, e mais alguns enquanto cai da escada. Foi parar no
hospital. A policia que passava por ali na hora do acontecido foi chamada pelos
meninos quando saíram correndo de casa, e então o ex-marido foi preso em
flagrante. Pouco tempo depois pagou fiança e voltou a conviver perto deles.
A
mulher saiu do hospital no mesmo dia, procurou ajuda na delegacia, mas achava
que não aconteceria novamente, fora apenas um ataque de ciúmes. A vida
continuou. Ia tudo bem, até que ela arrumou outro companheiro, e o ex-marido
começou a incomoda-los novamente.
Percebeu
então que não era fome que fazia ele comer todo um frango, não era amor que
fazia ele sentir ciúmes dela. Ela e o frango eram coisas para ele, e por não o
pertencerem, ele não deixava que fossem de mais ninguém. Mas ela não era um
frango morto, assado e temperado, ela era gente e não deixaria que ele acabasse
com ela entre três garfadas. Então, foi novamente à delegacia, dessa vez
decidida, não era um frango, era gente.
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